Visão panorâmica das normas de Direito Internacional Privado
Para nos familiarizarmos com nossa
disciplina, é importante ter uma visão panorâmica das normas de DIPr em vigor
no Brasil. Aqui, o intuito não é estuda-las, mas apenas observá-las num
relance, para captarmos o sentido e
significado do Direito Internacional Privado.
a) A Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro
Podemos começar pelas normas mais
fundamentais em nosso ordenamento jurídico: aquelas que estão contidas nos arts. 7º a 19 da Lei de
Introdução às Normas do Direito
Brasileiro (LINDB, DL n. 4657/1942).
Vamos, aqui, destacar os elementos de
conexão escolhidos nos primeiros três artigos.
Art. |
Texto |
Elemento de conexão |
7º |
Caput: A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as
regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família. |
Lugar do domicílio |
|
§ 1o Realizando-se o
casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos
dirimentes e às formalidades da celebração. |
Lei do local do ato |
|
§ 2o O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante
autoridades diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes. |
Norma adjetiva |
|
§ 3o Tendo os nubentes
domicílio diverso, regerá os casos de invalidade do matrimônio a lei do
primeiro domicílio conjugal. |
Lugar do 1º domicílio conjugal |
|
§ 4o O regime de bens,
legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes
domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal. |
Lugar do 1º domicílio |
|
§ 6º O divórcio realizado
no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só será
reconhecido no Brasil depois de 1 (um) ano da data da sentença, salvo se
houver sido antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em que a
homologação produzirá efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas
para a eficácia das sentenças estrangeiras no país. O Superior Tribunal de
Justiça, na forma de seu regimento interno, poderá reexaminar, a requerimento
do interessado, decisões já proferidas em pedidos de homologação de sentenças
estrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim de que passem a produzir todos
os efeitos legais. |
Norma adjetiva |
|
§ 8o Quando a pessoa não
tiver domicílio, considerar-se-á domiciliada no lugar de sua residência ou
naquele em que se encontre. |
Lugar da residência Lugar onde se encontra a pessoa |
8º |
Para qualificar os bens e regular as relações a eles
concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados. |
Lugar da situação do bem |
|
§ 1o Aplicar-se-á a lei
do país em que for domiciliado o proprietário, quanto aos bens moveis que ele
trouxer ou se destinarem a transporte para outros lugares. |
Lugar do domicílio do proprietário transeunte |
|
§ 2o O penhor regula-se
pela lei do domicílio que tiver a pessoa, em cuja posse se encontre a coisa
apenhada. |
Lugar do domicílio do credor |
9º |
Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do
país em que se constituirem. |
Lugar da constituição da obrigação |
|
§ 1o Destinando-se a
obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta
observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos
requisitos extrínsecos do ato. |
Lugar da execução da obrigação |
|
§ 2o A obrigação
resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o
proponente. |
Lugar de residência do proponente |
b) O Código Bustamante: promulgado
pelo Decreto nº 18.871/1929 . Pode ser lido em português aqui.
c) A Conferência de Haia de Direito
Internacional Privado
A Conferência de Haia de Direito
Internacional Privado procura trabalhar
para a unificação progressiva das regras de direito internacional privado. O
Estatuto dessa entidade foi aprovado após reuniões entre os dias 9 e 31 de
outubro de 1951, o nosso Congresso Nacional aprovou esse Estatuto através do Decreto Legislativo no 41,
de 14 de maio de 1998, o governo brasileiro depositou o instrumento de
ratificação desse Estatuto em 23 de fevereiro de 2001 e emitiu o Decreto 3.832,
01 de junho de 2001.
Essa
entidade possui 83 países-membros e administra 40 convenções multilaterais. A
lista pode ser vista aqui. O Brasil é
signatário das seguintes:
·
Convenção relativa à Obtenção de Provas no Estrangeiro em
Matéria Civil ou Comercial (1970): promulgada pelo Decreto nº 9.039/2017 . Essa convenção
facilita a obtenção de provas entre o Brasil e diversos países. O Departamento
de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), da
Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça, é responsável por
tramitar os pedidos de cooperação jurídica, tendo sido designado como
Autoridade Central. Vários países já estabeleceram parcerias com o Brasil, e
outros estão em processo de adesão. O formulário deve acompanhar todos os
pedidos de cooperação, que devem ser encaminhados ao DRCI com tradução para o
idioma estrangeiro, e a documentação física deve ser enviada para a Autoridade
Central. A lista atualizada de países pode ser consultada no site da
Conferência da Haia.
·
Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional
de Crianças (1980): foi promulgada pelo Decreto nº 3.413/2000, tem o duplo
objetivo de (a) assegurar o retorno imediato de crianças ilicitamente
transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente e
(b) fazer respeitar de maneira efetiva nos outros Estados Contratantes os
direitos de guarda e de visita existentes num Estado Contratante. O Conselho da
Justiça Federal possui um Manual de Aplicação dessa convenção
e o Ministério Público do Paraná possui
um material com comentários a essa convenção e pode ser consultado neste site.
·
Convenção sobre Acesso Internacional à Justiça (1980):
promulgado pelo Decreto nº 8.343/2014. Essa convenção
estabelece que “os
nacionais e os habitualmente residentes em qualquer Estado Contratante terão o
direito de receber assistência judiciária para procedimentos judiciais
referentes a matéria civil e comercial em outro Estado Contratante, nas mesmas
condições que receberiam caso fossem nacionais ou residentes habituais daquele
Estado”.
·
Convenção relativa à Proteção de Crianças e à Cooperação em
Matéria de Adoção Internacional (1993): essa convenção visa a garantir que as
adoções internacionais sejam realizadas no interesse superior das crianças,
protegendo-as (e as respectivas famílias) contra os riscos de uma adoção
ilegal, irregular, prematura ou mal preparada, a nível internacional. Também
procura prevenir o rapto, o comércio ou tráfico de crianças. Está promulgada
pelo Decreto nº 3.087/1999.
·
Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Legalização dos
Documentos Públicos Estrangeiros (1961): promulgada pelo Decreto nº 8.660/2016
elimina a exigência de legalização de documentos públicos estrangeiros,
simplificando o trâmite internacional de documentos públicos entre o Brasil e
os 111 países signatários. A legalização de documentos nos Consulados foi
suprimida e os documentos estrangeiros passaram a ser apostilados no país onde
foram emitidos e aceitos no Brasil. Ao documento é anexada uma “Apostila de Haia” pela autoridade competente do país emissor do
documento, tornando-o válido em todos os Estados partes da Convenção. Esse
procedimento é aplicado a certificados,
procurações, certidões notariais e documentos estudantis.
·
Convenção relativa à Citação, Intimação e Notificação no
Estrangeiro de Documentos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil e
Comercial (1965): promulgado pelo Decreto n. 9.734/2019, sendo que o
Brasil fez algumas ressalvas. Essa Convenção trata dos casos em que um documento
judicial ou extrajudicial deva ser transmitido ao exterior para ser objeto de
citação, intimação ou notificação
·
Convenção sobre a Cobrança Internacional de Alimentos para
Crianças e Outros Membros da Família e o Protocolo sobre a Lei Aplicável às
Obrigações de Prestar Alimentos (2007): a Convenção facilita pedidos de pensão
alimentícia entre o Brasil e dezenas de outros países e viabiliza medidas para
acelerar e tornar mais efetivos os pedidos de prestação internacional de alimentos,
ou seja, pedidos de pensões alimentícias do Brasil para o exterior e
vice-versa. Já o Protocolo define a lei aplicável à obrigação de prestar
alimentos resultante de relações de parentesco, filiação, casamento ou
afinidade, inclusive a obrigação de prestar alimentos em relação a crianças,
independentemente do estado civil dos pais. Tanto a Convenção quanto o
Protocolo foram promulgados pelo Decreto nº 9.176/2017.
d) As
Conferências Especializadas Interamericanas sobre Direito Internacional
Privado (CIDIP).
No âmbito
da OEA foram produzidas algumas Convenções, dentre as quais destacamos:
·
Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de Direito
Internacional Privado: promulgada pelo Decreto nº 1.979/1996. O texto se encontra aqui.
·
Convenção Interamericana sobre Cartas Rogatórias e seu
Protocolo Adicional: promulgada pelo Decreto nº 1.899/1996. O Protocolo
Adicional foi promulgado pelo Decreto nº 2.022/1996.
·
Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial
Internacional: promulgada pelo Decreto nº 4.719/2003.
·
Convenção Interamericana sobre Regime Legal das Procurações
para serem Utilizadas no
·
Exterior: promulgada pelo Decreto nº 1.213/94.
·
Convenção Interamericana sobre Eficácia Extraterritorial das
Sentenças e Laudos Arbitrais
Estrangeiros: promulgada pelo Decreto nº 2.411/1997. O texto pode
ser encontrado aqui. Um estudo pode ser
encontrado na Biblioteca do Senado.
·
Convenção Interamericana sobre Prova e Informação Acerca do
Direito Estrangeiro: promulgada pelo Decreto nº 1.925/1996. O texto pode ser lido aqui. Pode-se
solicitar a um Estado-Parte, por exemplo, texto, vigência, sentido e alcance
legal do seu direito acerca de aspectos determinados.
·
Convenção
Interamericana sobre Conflito de Leis em Matéria de Sociedades Mercantis:
promulgada pelo Decreto n º 2.400/1997.
·
Convenção
Interamericana sobre Personalidade e Capacidade Jurídicas de Pessoas Jurídicas
no Direito Internacional Privado: promulgada pelo Decreto n º 2.427/1997.
·
Convenção
Interamericana sobre Conflito de Leis em Matéria de Adoção de Menores:
promulgada pelo Decreto n º 2.429/1997.
·
Convenção
Interamericana sobre Obrigação Alimentar: promulgada pelo Decreto nº 2.428/1997. Tem como objeto a determinação do direito
aplicável à obrigação alimentar, bem como à competência e à cooperação
processual internacional, quando o credor de alimentos tiver seu domicílio ou
residência habitual num Estado-Parte e o devedor de alimentos tiver seu
domicílio ou residência habitual, bens ou renda em outro Estado-Parte.
·
Convenção
Interamericana sobre Restituição Internacional de Menores: promulgada pelo Decreto nº 1.212/94. Procura assegurar a pronta restituição de
menores que tenham residência habitual em dos Estados Partes e que hajam sido
transportados ilegalmente de qualquer Estado para um Estado Parte ou que,
havendo sido transportados legalmente, tenham sido retidos ilegalmente. É
também objeto desta Convenção fazer respeitar o exercício do direito de visita,
de custódia ou de guarda por parte dos titulares desses direitos.
·
Convenção
Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores: promulgada pelo Decreto no. 2.740/1998.Regulamenta “aspectos civis” sobre o assunto,
que se resumem à cooperação judicial internacional.
e) No
âmbito do MERCOSUL:
·
Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em
Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa entre os Estados Partes
do Mercosul (Protocolo de Las Leñas - Mercosul/CMC/Decreto nº 07/2002)
·
Acordo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria
Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa entre os Estados Partes do
Mercosul, a República da Bolívia e do Chile (Decreto nº 6.891/2009)
·
Acordo sobre o Benefício da Justiça Gratuita e a Assistência
Jurídica Gratuita entre os Estados-Partes do Mercosul, a República da Bolívia e
a República do Chile (Mercosul/CMC/Decreto nº 50/2000)
f)
Acordos bilaterais
·
Com a Argentina: Convenção sobre Assistência Judiciária
Gratuita com a Argentina (Decreto nº 62.978/1968). Acordo de Cooperação
Judiciária em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa, entre o
Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Argentina
(Decreto nº 1.560/1995).
·
Com a China: Tratado sobre Auxílio Judicial em Matéria Civil
e Comercial entre a República Federativa do Brasil e a República Popular da
China (Decreto nº 8.430/2015).
·
Com a Espanha:
Convênio de Cooperação Judiciária em Matéria Civil entre o Governo da República
Federativa do Brasil e o Reino da Espanha (Decreto nº 166/1991).
·
Com a França: Acordo de Cooperação em Matéria Civil entre o
Governo da República Federativa e o Governo da República Francesa (Decreto nº
3.598/2000).
·
Com a Itália: Tratado Relativo à Cooperação Judiciária e ao
Reconhecimento e Execução de Sentenças em Matéria Civil entre a República
Federativa do Brasil e a República Italiana (Decreto nº 1.476/1995).
·
Com o Japão: Acordo sobre Assistência Judiciária Gratuita
entre o Brasil e o Japão (É um acordo firmado por troca de Notas no dia 23 de
setembro de 1940, versando apenas sobre Assistência Judiciária Gratuita, sem
adentrar as peculiaridades que atualmente são necessárias à cooperação entre
Brasil e Japão).
·
Com o Uruguai: Acordo
de Cooperação Judiciária em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e
Administrativa, entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo
da República Oriental do Uruguai (Decreto nº 1.850/1996).
Comentários
Postar um comentário